sábado, 14 de maio de 2011

A norma popular nos livros didáticos: desafio ao preconceito linguístico

Um dos mais graves erros cometidos pelos falantes de nossa língua, por incrível que possa parecer, não é de ortografia nem de concordância, mas de preconceito. Motivado pela ideologia e sustentado por um punhado de mitos e conceitos distorcidos, os quais encontram eco em todas as esferas da sociedade, inclusive na sala de aula, o preconceito linguístico está longe de acabar e revida sempre com violência àqueles que o combatem.

Indicado e distribuído pelo MEC a quase 500 mil alunos de 4.236 escolas por meio do Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos (EJA), o livro Por uma vida melhor, da coleção “Viver, aprender”, foi duramente criticado em alguns veículos de mídia, dentre os quais o blog do jornalista Reinaldo Azevedo, da revista VEJA. O motivo é a presença de um conteúdo que apresenta a norma culta ao lado da norma popular, desvendando os mecanismos de ambas sem que haja preferência de uma em relação à outra:



Ora, adotar uma postura reativa ou mesmo “desconfiada” em relação ao livro e à metodologia de ensino nele contida só demonstra a profunda ignorância de tio Rei (e de outros como os colunistas do Poder Online, do Portal iG) a respeito dos estudos da Sociolinguística e seu papel no combate ao preconceito linguístico - que linguistas como Marcos Bagno, dentre outros, já demonstraram ser um preconceito fundamentalmente social.

Uma das grandes dificuldades encontradas pelos profissionais de Letras egressos da Universidade é saber que tudo aquilo que foi estudado, discutido, pesquisado e proposto na Academia dificilmente chegará efetivamente à sociedade. Como atuar além das dissertações e teses que amarelam nas estantes? Como promover transformações num âmbito maior do que as microssalas que abrigam simpósios e colóquios?

Sabemos que a gramática tradicional e a norma culta, cada vez com menos prestígio entre os linguistas, são permanentemente valorizadas e cultivadas como valor na sociedade. Ambas apresentam-se não só como um padrão ideal de linguagem a ser perseguido pelo falante, mas também como um elemento de seleção e exclusão no mercado.

Como reverter esse quadro senão oferecendo, nos bancos escolares, algo além do ensino normativo da língua portuguesa? Evidentemente, é necessário educar apresentando a perspectiva normativa, afinal ela nos serve, principalmente durante o período de alfabetização, como instrumento de comunicação - trata-se de um código em comum. Por outro lado, não menos importante se faz a educação para a diferença, para as particularidades, para aquilo que é local, genuíno, para aquilo que escapa à norma.

Ver, portanto, que a gramática normativa cedeu espaço para a apresentação das variantes como uma realidade da língua - e não como uma aberração, um erro, algo que não existe - é razão de celebração! Enfim, uma iniciativa que parece, sem exagero, mudar o quadro de dificuldades da extensão universitária. Caminhamos, assim, para uma educação que permita de fato a percepção e o questionamento das contradições à nossa volta.

6 comentários:

Caio disse...

Ótimo texto, Laion!

Além do que você disse, acho interessante ver como uma "polêmica" criada pela grande mídia pode apontar o forte sensacionalismo que vêm tomando conta dos jornalões online quando o assunto é a esfera federal. Matéria da Folha: (Livro distribuído pelo MEC defende errar concordância) http://www1.folha.uol.com.br/saber/915795-livro-distribuido-pelo-mec-defende-errar-concordancia.shtml Matéria do Estado: (Livro adotado pelo MEC defende "erro") http://www1.folha.uol.com.br/saber/915795-livro-distribuido-pelo-mec-defende-errar-concordancia.shtml

O que se vê, nos dois casos, são chamadas e manchetes tendenciosas que, muitas vezes, são contraditas pelas matérias a que se referem.

Isso sem contar o que se publicou na "polêmica" com relação ao Lobato.

Laion Castro disse...

Concordo contigo, Caio. O sensacionalismo já há muito tempo tem dado o tom nos principais veículos jornalísticos. Trata-se de supervalorizar um fato quase sempre afastando-o de suas causas e implicações.

Cabe a nós, aproveitando o poder que nos dá a Internet, subverter essa lógica e fazer circular reflexões e ideias na direção contrária.

Filosofices de Lili M.K. disse...

Toda essa polêmica criada pela mídia banaliza o tema, impedindo uma discussão séria e lúcida sobre o assunto: foi pensado na capacitação dos professores que irão utilizar esse livro?? Há professores aptos para ensinar satisfatoriamente este tipo de conteúdo?
O foco não deve ser o que é "certo" ou "errado", mas sim se tudo isso será transmitido "corretamente" sem "erros".

Yara Maia disse...

Sinceramente? É tudo muito bonito o que você escreveu. Utilizou-se de linguagem elaborada e quase me convenceu de que o MEC realmente está agindo de maneira correta a transformar esse tal "preconceito linguístico" em aprendizado.

Mas sinceramente? É nivelar por baixo! É entregar ao povo brasileiro um documento que diz: você não tem capacidade de aprender de verdade, então, pode continuar assim! Escreva como quiser...

Por favor, daqui a pouco vão dizer que não precisa mais saber ler, usa-se desenhos, como nos tempos das cavernas e está tudo bem! As pessoas tem obrigação de te entender.

É por isso que a educação do povo brasileiro está cada dia mais afundada. Com certeza você também deve achar louvável a aprovação automática, afinal, reprovar é algo "mau" e que destrói a criança.

Essa forma de "educação para todos" cria um abismo social ainda maior porque não estimula a capacidade de pensar! E aí, quem está na rede pública se mantém cada vez mais afundado, com raras exceções, o fato é que se desde pequeno não te ensinarem que você é capaz de ser melhor, de ousar e aprender, você realmente vai crescer limitado, acreditando que não é capaz!

Se este é o Brasil que vocês querem, fique com ele pra vocês! Eu quero mais. Eu posso mais! E isso eu aprendi desde cedo, quando meu professor me dizia que ou eu aprendia, ou continuaria naquela sala enquanto todos os meus amiguinhos estavam adiante. Meus pais diziam: ou você aprende ou fica de castigo! Eu sempre soube que se eles me cobravam é porque eu tinha capacidade de aprender... e aprendi!

Anônimo disse...

No meu entender, ninguém até agora afirmou que "falar errado está certo", e sim que existem variações linguísticas (FATO!!!). Quem diz que usa sempre a norma culta quando se expressa oralmente sem dúvida está enganado. Por isso, a questão não é "ter a capacidade de aprender", mas conscientizar-se de que inevitavelmente há diferenças entre a língua falada e a escrita, e que a língua portuguesa possui dialetos e variedades. A linguagem oral, por ser dinâmica e em tempo real, não "obriga" o falante a utilizar a norma culta, que deve sim ser utilizada na escrita, para transmitir a mensagem. A fala, certa ou errada, cumpre sua função de comunicar. Cabe aos docentes uma boa explanação desse assunto aos alunos.

Anônimo disse...

Seu texto é uma delícia. Muito obrigada!