quinta-feira, 10 de junho de 2010

Onde os Livros Não Têm Vez

(ou 'No Library For Proper Books')


Voltei a experimentar, nesta tarde de quinta-feira, algo que há muito não vivia: sentei-me no chão gramado e, recostado a uma árvore, pus-me a ler até que a chuva se precipitasse, obrigando-me a correr em busca de abrigo. Decidi que isto merece se repetir outras vezes. Conto apenas que não seja pelas mesmas razões.

Recorri ao gramado, a princípio, para poder apoiar as costas durante a leitura. Afinal, os bancos existentes no Parque da Juventude - precisamente na praça entre a ETEC e a Biblioteca de São Paulo - não possuem encosto. E - era justamente aqui onde queria chegar - eu apenas cogitei a possibilidade de tomar assento nesta praça porque minha entrada na inovadora biblioteca fora vetada pela segurança.

Vejam vocês: eu não estava despido ou descalço; não estava alcoolizado ou drogado; no auge da serenidade, um leitor a entrar pela porta de uma casa pública de livros. Não portava armas ou objetos pontiagudos, cortantes, ameaçadores; não trazia nas mãos bebida nem comida; não estava munido de câmeras, gravadores, microfones; inócuo como poucos, um leitor em busca do lugar melhor para exercer um direito - o "direito à literatura" defendido pelo professor Antonio Candido.

Desde que cadastrei-me como usuário do recente empreendimento cultural, pude perceber um ligeiro aprimoramento em alguns de seus serviços. No entanto, a segurança deste lugar é mais digna de nota que os demais setores. Logo que cheguei, dirigi-me ao guarda-volumes. Fui convidado a apresentar minha carteirinha de consulente - devidamente legitimada no sistema após consulta do código de barras - para obter uma chave. Pertences alojados, caminhei até a porta de acesso... e de lá não passei. Incauto, demasiado incauto, levava comigo dois livros, um lápis e umas poucas páginas fotocopiadas de um texto. Imaginem! Como era de se supor, dado o caráter pungente de minha conduta contraventora, meu desejo de usufruir do amplo e bem estruturado espaço dedicado à cultura letrada recebeu de um agente de segurança um preciso e irrevogável 'não'.

Devido à presença de grande volume de exemplares ainda não catalogados pela instituição, não é permitida a entrada de livros que não pertençam à biblioteca. Cometi esta falta ao julgar que meus livros fossem bem-vindos ali - como o são e sempre foram nas bibliotecas que costumo frequentar, inclusive as privadas. Queiram compreender, eu às vezes me esqueço da proposta diferenciada oferecida pela Biblioteca de São Paulo.

Uma funcionária, apresentando-se como responsável pelo local naquele momento, confirmou-me a restrição atentando para o risco de extravio do acervo. "Roberto Bolaño é persona non grata em nossa biblioteca-livraria", talvez ela me dissesse. Tive de assentir - o que haveria de fazer?, pensei. E, de pronto, disquei para o número da Ouvidoria do governo estadual, em destaque na parte superior do guichê de recepção. Relatei o ocorrido, exigindo providências por parte dos responsáveis.

Sou plenamente capaz de compreender razões e fundamentos da medida restritiva - assim como estou apto a imaginar o porquê da persistência do problema que a causou. De todo jeito, não vou especular quanto a isso. Pretendo apenas registrar o evento, cuidando que ele seja conhecido publicamente e que, com isso, suas contradições sejam reveladas pelos olhos de quem ler este manifesto. Além disso, espero - e cobrarei - da administração da Biblioteca de São Paulo a firma de um compromisso de solução breve e eficaz para este ridículo impasse.

Conforme preconiza a UNESCO, a respeito das bibliotecas públicas, seus serviços estão estabelecidos sobre o princípio da igualdade de acesso por parte de todas as pessoas, não obstante a faixa etária, o grupo étnico, o sexo, a crença religiosa, a origem regional, a língua ou o grupo socioeconômico a que pertencem. Dentre inúmeros itens, uma de suas principais missões sociais é "proporcionar oportunidades de desenvolvimento pessoal criativo" aos cidadãos que queiram dispor de seus recursos.

Um direito me foi negado. É meu dever, enquanto leitor, estudante, educador e, acima de tudo, cidadão, lutar para que ele se faça valer - para mim e para meus semelhantes.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

A biblioteca entre livraria e lan-house

Hoje era o dia de visitar a moderníssima Biblioteca de São Paulo, a mais recente iniciativa cultural do Governo do Estado de São Paulo em parceria com a Poiesis. O novo edifício é abrigado pelo Parque da Juventude, projeto construído sob as ruínas da desativada porém inesquecível piscininha de Fleury.




Lembrei-me logo de cara da conversa de que a biblioteca nova seria semelhante a uma livraria. Fui recebido com excelente humor e aconchego pela segurança. Pertences alojados no guarda-volumes, encarei a fila para me cadastrar na instituição - algo normal em se tratando de inauguração.

A bibliotecária responsável pelo cadastramento dos usuários e pela confecção da carteirinha parecia ter chegado junto comigo. Cada passo do processo se apresentava a ela como uma grande e demorosa novidade. Após tirar minha foto, demonstrou não saber o que fazer com ela por um longo tempo. O número do meu RG foi registrado com erro no documento, mas não me importei; havia acontecido o mesmo com a senhora que estava à minha frente. Educado, prefiri o silêncio.

O piso térreo é dedicado ao público infantil, e a criançada fazia presença em quase todos os espaços, à exceção dos corredores das estantes. Sem economia, vi apenas uma criança com um livro nas mãos. O resto estava totalmente entregue às atrações audiovisuais. Uma bela lan-house.

Subindo as escadas rumo ao setor dos adultos, dei de cara com uma estante intitulada "mais vendidos" - triste demonstração de que aquele papo de biblioteca-livraria era sério mesmo. Para distrair-me da depressão instantânea, passeei pelo que seriam as estantes de livros novos. O curioso é que a maioria dos livros do neófito acervo parece ter sido comprada há pouco tempo. Ao menos a literatura contemporânea tem destaque. A estante de obras de referência também contribuiu para a minha animação.

Depois de um tempo, deparei-me com livros já marcados pelo tempo, dispostos aleatoriamente em estantes baixinhas que margeiam os corredores laterais. Senti-me um tanto perdido ao vagar pelo espaço do andar de cima. Não que seja vasto, mas a organização dos exemplares é bastante precária, caseira mesmo. Uma vergonha para uma biblioteca. E talvez para uma livraria também.

Enfim consegui encontrar os exemplares que procurava: "A arte de produzir efeito sem causa", de Lourenço Mutarelli, e "Vidas Novas", de Ingo Schulze. Carreguei as obras para uma poltrona colorida, sentei-me e degustei algumas páginas. Decidido a levá-las para casa, esbarrei num dos pecados mortais de toda biblioteca: oferecer aos consulentes volumes que ainda não foram catalogados.

Frustrado, retornei ao piso superior. Saquei "Duzentos ladrões", de Dalton Trevisan; "Ó", de Nuno Ramos; e "O amante detalhista", de Alberto Manguel. Contente, cheguei ao guichê de empréstimo.

Em sintonia com a bibliotecária que havia me recebido, o funcionário que então me atendia fazia questão de evidenciar que chegara precisamente naquele momento àquele posto. Eu sempre brincava, dizendo que nas repartições públicas, existe um que domina o ofício e o restante que lhe pergunta. Constatei que é a pura verdade.

Depois de 15 minutos, após observar a avançada disfunção tecnológica à disposição no balcão, pude cadastrar minha senha personalizada de quatro dígitos e levar comigo os livros.

Parece que temos tendência à insatisfação. Quero crer, no entanto, que trata-se apenas de não nos contentarmos com pouco. Há mais estandartes que estantes na Biblioteca de São Paulo. Muita estrutura, pouca literatura. Pensando em seus administradores, tenho a impressão de que a Poiesis se dedica, na verdade, a transformar instituições em aquilo que elas nunca foram. (Veja-se o Museu da Língua Portuguesa: inovador, interativo, mas de museu não tem nada.) Sei que laranja não é banana e não quero parecer conservador: tecnologia e interatividade são importantes. Mas não me agrada constatar que numa biblioteca os computadores tenham muito mais audiência que os livros.

Há que se reconhecer que o projeto é novo e muita coisa deverá ser feita ainda. Sinceramente, duvido que uma mudança substancial ocorrerá, dado que leitores não se criam do dia para a noite, ainda mais sem um projeto de Educação sólido e efetivo nas escolas. Mas meu coração não se cansa de ter esperança.

Atendimento

A Biblioteca de São Paulo funciona de terça a sexta, das 9h às 21h; e aos sábados, domingos e feriados, das 9h às 19h. A entrada é franca.


O estacionamento é pequeno e pago. Recomendo ir de metrô. Fica ao lado da estação Carandiru (Linha Azul). O endereço: Av. Cruzeiro do Sul, 2.630 - Prédio 3 - Parque da Juventude.


Leve seus filhos para passear.